Restrição ao trabalho de radialistas em PE expõe racha em entidades de cronistas esportivos

Por Rodney Brocanelli

2024 mal começou e o rádio esportivo já é obrigado a conviver com medidas de restrição. Para piorar as coisas, entidades que deveriam andar juntas na defesa dos interesses dos cronistas esportivos, aparentam estar rechadas.

No último dia 20 de janeiro, o clássico pernambucano Sport x Santa Cruz foi disputado sem a presença dos repórteres atrás dos gols ou mesmo nas proximidades do gramado. Tal medida foi comemorada por Evandro Carvalho, advogado e presente da Federação Pernambucana de Futebol.

Carvalho publicou um artigo no site O Poder comentando sobre essa decisão: “Ontem foi um dia histórico para o futebol brasileiro. Quebramos , pela primeira vez, na história secular do nosso futebol, esse absurdo privilégio das emissoras de rádio, de abusarem do direito de atuar no entorno do gramado e até dentro do campo de jogo. Isso sem qualquer pagamento em favor dos clubes que fornecem o conteúdo – o espetáculo”. (o restante pode ser lido aqui).

Ainda em seu breve texto, o cartola espera pela cobrança dos direitos de transmissão por parte das emissoras de rádio: ” Espero que, brevemente, o STJ, em recurso do Estado do Paraná , ratifique a decisão quanto ao direito dos clubes de cobrarem das emissoras de rádio as transmissões dos seus jogos. Assim poderemos definir a questão do direito ao uso das cabines. Mas o jogo de ontem já é um passo gigantesco. Informei o sucesso ao presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues. Tentarei, em Pernambuco, ampliar a iniciativa para a Copa do Nordeste e o Campeonato Brasileiro”.

Seu interesse no assunto tem justificativa. Em uma entrevista ao Jornal do Comércio divulgada em 2020, ele fez um diagnóstico preciso sobre o momento da entidade na ocasião: “Nosso problema é apenas falta de dinheiro” (leia mais aqui).

A Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), em nota, marcou seu posicionamento a respeito da posição de Carvalho: ”A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) apoia a manifestação da Associação das Empresas de Rádio e Televisão de Pernambucano (ASSERPE) que, em nota oficial, lamentou as declarações do presidente da Federação Pernambuco de Futebol (FPF), Evandro Carvalho, de tratar como “histórica” a decisão de vetar o acesso dos repórteres das emissoras de rádio ao estádio para transmissão de jogos de futebol ( https://www.instagram.com/p/C2XkGFAuOA1/?igsh=MXd3Z3lhdXNhZmM1Zg==). A ABERT lembra que, em outubro de 2023, decisão semelhante de cobrar das emissoras de rádio pela transmissão de jogos já foi derrubada no Paraná. A tentativa de proibir o acesso dos repórteres de rádio aos estádios de futebol é mais uma afronta à legislação e à boa-fé que sempre norteou a relação entre clubes e emissoras, desconsiderando a tradição legislativa e jurisprudencial sobre o direito de arena. A ABERT continuará atenta aos desdobramentos de tais iniciativas e não poupará esforços para garantir o cumprimento da lei”.

O racha

Dias depois do clássico, Evandro reuniu-se com representantes da Asserpe (Associação de Empresas de Rádio e Televisão de Pernambuco), Sejope (Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão de Pernambuco) e Abrace (Associação Brasileira de Cronistas Esportivos). 

Uma das duas entidades nacionais que defendem os interesses dos cronistas esportivos, a Abrace divulgou nota com declarações menos incisivas do dirigente. Leia aqui. O mesmo tom foi registrado pelo portal Futebol Interior: “Eu respeito e admiro o cronista esportivo e o rádio, que é uma ferramenta de divulgação do futebol. Não faremos qualquer restrição, apenas em jogos que terão transmissão “ao vivo” e em televisão aberta, por conta de contrato, que não poderão ter repórter no gramado. Apenas isso”, disse. Atualmente, a Rede Globo é que detém os direitos de transmissão do campeonato pernambucano em tevê aberta.

A nota do portal FI expõe também o que parece ser uma divisão entre entidades de cronistas esportivos: ”A Associação dos Cronistas Desportivos de Pernambuco (ACDP) não realizou qualquer movimentação, omitindo-se até ao problema que poderia ter se estabelecido, inclusive recusando a dar qualquer informação à imprensa. ‘Existe uma orientação do Jurídico para não falar nada e apenas agir’, disse André Luiz Cabral, que sequer soube dizer o nome do advogado que representa a ACDP. O Portal Futebol Interior obteve informações de que a Associação dos Cronistas Desportivos de Pernambuco (ACDP) está irregular há alguns anos, inclusive com dificuldades de fazer qualquer movimentação em demandas judiciais”.

Por sua vez, a Associação dos Cronistas Desportivos de Pernambuco (ACDP) divulgou uma nota em que diz desconhecer a ação da Abrace: “A ACDP ainda informa, que enquanto representante da crônica em Pernambuco, em nenhum momento foi procurada pela gestão atual da ABRACE, que se diga de passagem, além de vir perseguindo e desprezando os cronistas pernambucanos nos últimos anos, tem também tomado decisões que apenas prejudicam o crescimento da imprensa esportiva do nosso estado. A postura da atual gestão da ABRACE, através da nota divulgada pela incompetente Federação Pernambucana de Futebol (FPF), soa como uma atitude apócrifa e distante da realidade defendida pelos nossos profissionais.”

Segue a nota: “Reiteramos que, diferentemente da ABRACE, a Associação de Cronistas Esportivos do Brasil (ACEB) , na pessoa do vice-presidente, Sr Eraldo Leite, procurou a ACDP para tentar ajudar a solucionar todas as dificuldades criadas contra os nossos profissionais. Por fim, lembramos que a ACDP é uma das fundadoras da ABRACE e que nosso posicionamento não é contra a entidade nacional, mas contra o posicionamento tomado pela catastrófica atual gestão, que tem sido danosa aos cronistas. A ACDP está pronta para defender os interesses dos cronistas e não de dirigentes de federação de futebol”. Quem assina é André Luiz Cabral. A íntegra pode ser lida aqui.

  

Normas da CBF: a questão do respeito não passa pelos direitos de transmissão

Por Rodney Brocanelli

Segue rendendo o debate sobre a questão das normas da CBF para a atuação dos repórteres de rádio durante a partidas do campeonato brasileiro de futebol. Desta vez, o jornalista Octávio Muniz publicou em seu blog no R7 um post sobre essa questão. No texto, Muniz faz uma série de sugestões e vou me deter nas mais importantes.

Muniz escreve:  “DEVEM ser chamadas para uma reunião pessoas que representem nossa classe e que NÃO DIGAM SÓ AMÉM como foi no dia em que este “código” (sic) foi definido!

Que se convoque as duas associações nacionais, as quatro do meu estado, São Paulo e as demais de todos os estados cujos clubes estão envolvidos na Série A, através de seus presidentes e/ou representantes“.

A proposta de diálogo é excelente. No entanto, esbarra em um problema sério. As associações de cronistas esportivos, que são responsáveis por oficializar o credenciamento de jornalistas nos eventos esportivos, não são unidas. Como o próprio Muniz informa, são quatro apenas no estado de São Paulo. Uma delas, a Aceesp, a mais tradicional. Neste ano, foi criada a Aceisp (Associação dos Cronistas do Interior de São Paulo). Além dela, muitas surgiram devido a descontentamentos acumulados ao longo dos anos, isso sem citar  outros motivos.

No âmbito nacional, é a mesma coisa. Exemplo: muitas entidades descontentes com a postura da Abrace, outra associação tradicional, decidiram montar a Aceb, hoje presidida pelo Eraldo Leite. Nesse caso, temos duas associações brasileiras de cronistas.

É difícil, até por que tratam-se de rivalidades extremas, mas para conversar com a CBF (uma única e poderosa confederação), o ideal seria existir uma associação só forte no país. Por sua vez, cada estado teria uma só associação forte também.

Outro ponto do artigo de Muniz que cabe discussão: “Todos reunidos devem trabalhar para; primeiro, montar uma comissão de estudos // segundo, criar um código de conduta que será adotado à partir de 2017 // terceiro, discutir as regras claras para AQUISIÇÃO DE DIREITOS por parte das rádios/web rádios/portais de internet/aplicativos/jornais/revistas (e nem sempre adquirir direitos é pagar com dinheiro, existem outras formas de montar um bom acordo)“.

Cabe lembrar que a questão dos direitos de transmissão ganhou força aqui no Brasil a partir de 1987, com a Copa União, vendida para a Rede Globo. E o trabalho dos repórteres de rádio permaneceu tendo o devido respeito. Outras competições ao longo da história também tiveram direitos comercializados outras redes de televisão e os profissionais sempre tiveram chance de poder trabalhar sem qualquer tipo de limitação. Ou seja, o respeito a atuação dos repórteres não passa necessariamente pela questão dos direitos.

Outra coisa que chama a atenção no texto de Tatá Muniz e o seguinte trecho: “e nem sempre adquirir direitos é pagar com dinheiro, existem outras formas de montar um bom acordo“. Vale a pena desenvolver mais esse tópico. Que tipo de acordo rádios e rádios web poderiam fazer com os clubes e/ou entidades? Veiculação de spots publicitários vindos dos departamentos de marketing dos clubes para fins de divulgação? Mas essa divulgação já não é feita com a transmissão de jogos? Essas formas de montar um bom acordo prejudicariam a independência editorial dos departamentos esportivos das emissoras de rádio (embora não pareça, algumas emissoras são independentes)? E por que colocar nesse balaio as revistas e jornais? As entidades/clubes estariam dispostas a abrir mão do dinheiro?  Muitas interrogações que geram um belo e amplo debate. O espaço aqui  está aberto para outras opiniões.

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