Por Flávio Araújo
do Ribeirão Preto On Line
A não ser pelos relatos de estudiosos e principalmente de saudosistas o rádio viveu mais um de seus aniversários na controversa data em que se comemora sua introdução no Brasil.
O rádio em seus primórdios foi um dos grandes passos da humanidade na sequência de feitos que no campo das comunicações entre os povos encontra-se hoje num estágio bastante avançado e prometendo inovações quase que diuturnas.
Falei em comunicações e não especificamente no rádio, esse que comemorou sem festas e sem alardes o seu aniversário, mas como em tudo na vida o primeiro passo dá o ritmo do futuro.
Também me referi à confusão de datas já que essa, 25 de setembro, foi fixada em lei e se refere ao dia em que nasceu o Professor Edgar Roquette-Pinto, o fundador da primeira emissora brasileira.
Também ai existe controvérsia e por que não, injustiça.
Roquette-Pinto, cientista, antropólogo, intelectual de grande prestígio não fundou emissora sozinho e teve um sócio, o Engenheiro Henri Charles Morize, francês de nascimento e que no documento em que se naturalizou brasileiro teve o nome traduzido para Henrique.
Foi quem cuidou do lado técnico do empreendimento e foi ainda o fundador e primeiro presidente da Academia Brasileira de Ciências.
A Rádio Sociedade do Rio de Janeiro foi inaugurada em 4 de abril de 1923 e pouco depois se transformaria em Rádio Ministério da Educação e se houvesse um aniversário de verdade da introdução do rádio no Brasil essa deveria ser a data.
Mas, até ai também existem controvérsias que narraremos depois.
O professor Roquette-Pinto pretendia fazer do rádio uma ferramenta exclusiva para difundir cultura, transmissão de música clássica, eventos cívicos e absolutamente sem publicidade.
Um grupo de sócios cobriria os gastos, dai o nome de Sociedade e que se expandiu pelo país nas primeiras emissoras que surgiram prevalecendo até que se aceitasse a cobertura financeira da publicidade.
Outra controvérsia e que remete ao comentário lá do início com respeito à data em que o rádio ganhou vida no país: segundo dados não oficiais a Rádio Clube (outro nome para Sociedade) de Pernambuco já operava sem nenhum processo formal de autorização num tempo bastante anterior.
Quando a humanidade se une para um objetivo que poderá, ou não, se tornar de grande importância em seus futuros passos forma-se uma mentalidade coletiva e aleatória a trabalhar para o feito.
Desde a produção de medicamentos até inventos da engenharia nas suas diversas formas uma espécie de corrente universal une espíritos a trabalhar sem nenhum entendimento prévio e formal em prol de empreendimentos comuns.
Assim, embora se credite ao italiano Guglielmo Marconi o título oficial de inventor do rádio sabemos que muitas mentes privilegiadas trabalharam para que a descoberta se completasse.
Foi a partir de uma série de detalhes que Marconi chegou ao ponto de conseguir a primeira patente como inventor do rádio.
No Brasil muitos defendem a posição de que o Padre gaúcho Roberto Landell de Moura seja o verdadeiro inventor do rádio e só não conseguiu patentear seu invento pelas dificuldades da burocracia brasileira, algo que persiste até nos dias atuais a entravar feitos de nossos cientistas.
É possível, muito possível mesmo, que tenha sido o Padre Landell de Moura o verdadeiro inventor do rádio, mas, tanto ele como Marconi seguiram trilhas que foram sendo abertas por antecessores que buscavam o aprimoramento da comunicação entre os homens.
São, entretanto, os próprios brasileiros que oficializam a crença do quem é quem na origem do rádio já que existem, ou existiram, emissoras com nomes de cientistas estrangeiros como a Rádio Hertz de Franca ou a Rádio Marconi, de Paraguaçu Paulista, no oeste do Estado.
Não é do meu conhecimento que nenhuma tenha o nome de Landell de Moura e sim a homenagem à políticos que deram rádios à colegas como entre outras a Rádio Nereu Ramos de Blumenau.
Ai já não é homenagem e sim puxa-saquismo explícito.
Voltando ao pensamento comum que une mentes em busca de grandes inventos julgo ser algo semelhante ao acontecido com nosso patrício Alberto Santos Dumont e os norte-americanos irmãos Wright com respeito ao avião.
Antecedendo Landell de Moura e Marconi existiram os estudos dos ingleses Michael Faraday e James C. Maxwell; do próprio Thomas Edison, pois sem a corrente elétrica como poderia existir o rádio?
Alexander Graham Bell também colaborou com sua descoberta e produção do primeiro telefone.
O alemão Henrich Rudolph Hertz foi de importância excepcional no processo com seus estudos sobre ondas eletromagnéticas.
A importância de Hertz pode ser medida na colocação de seu nome numa das primeiras emissoras brasileiras, a então Rádio Clube Hertz, da cidade de Franca, no interior de São Paulo, uma das pioneiras.
Além de outros também o iugoslavo Nicolau Tesla foi importante com suas descobertas e houve até um aparelho de rádio no Brasil que levava seu nome.
Em termos de Brasil e para completar a controvérsia até a data tem interpretações distintas: durante muito tempo o dia do rádio, 25 de setembro, aniversário de Roquette-Pinto, era comemorado junto ao dia do Radialista, 21 de setembro, a chegada da Primavera no hemisfério sul.
No governo Lula, em 2006 foi alterada a lei que o instituíra e o dia do Radialista passou a ser lembrado (não comemorado já que não há nada a comemorar) no dia 7 de novembro.
Isso em homenagem à data de nascimento de Ary Barroso, grande nome do mundo das comunicações, mas que se destacou muito mais como compositor do que como radialista.
Em certa época escrevi que o rádio se parecia a esses bichinhos de praia que jamais deixam de se mostrar.
Quando socam um punhado de areia e obstruem sua caminhada abrem novas vias e aparecem adiante.
Quando assim me pronunciei o rádio vivia o período de difícil manutenção com a arrancada da televisão no país.
Assim tem sido o rádio brasileiro nas diversas crises que atravessa, aquela foi uma delas, e a que vive atualmente faz com que tenha de mudar meus conceitos.
Pelo menos na forma tradicional em que viveu desde Roquette-Pinto até recentemente o chamado “broadcasting”, o rádio dinâmico como entretenimento e prestador de serviços demonstra estar muito cansado.
Já se somam muitos anos que as velhas emissoras de AM tornaram-se obsoletas em sua qualidade técnica, em seu som de há muito superado pelas transmissões em FM, quase todas obedecendo a programações segmentadas e muito diferentes do conceito que se tinha do verdadeiro rádio.
De uma qualidade imensa e da qual a televisão jamais se libertou, pois em todos os sentidos nada mais faz do que colocar imagens naquilo que o rádio criou e fazia há dezenas e dezenas de anos.
Algumas rádios, raras na verdade e misturando até AM com FM, buscam imitar a programação do velho AM, mas não se sustentam.
Permanece a melhor condição de penetração dos prefixos de AM, mas hoje, pelo custo e praticamente extinção das Ondas Curtas, as redes dominaram o país e já não existe mais, com exceções é preciso dizer, aquelas emissoras que refletiam e divulgavam a vida de suas cidades e conseguiam até conquistas básicas para os munícipes.
Existem exceções de emissoras que permanecem fieis às suas origens e mantém suas equipes de profissionais e suas programações de bom nível.
Muitas, porém, sobrevivem entregando-se ao leque de grandes emissoras da Capital transmitindo o som que dali se origina em quase todas as horas do dia.
Pela frouxidão de nossos governos enquanto políticos são proprietários de centenas de emissoras a defender seus interesses eleitorais outras vendem seus horários quase que integralmente à religiões, principalmente as evangélicas e não guardam nenhuma identificação com a cidade onde estão sediadas.
Perdem totalmente o próprio requisito de prestar serviços à sua comunidade.
Enquanto isso cresce a cada dia o número de novos endereços eletrônicos de televisão e um dos pontos fortes das emissoras do país, a formação de novos profissionais, retrocedeu a um estágio muito perigoso para a classe.
No meu principal campo de atividade, o narrador esportivo, o rádio interiorano foi sempre o berço da grande maioria o que se tornou praticamente impossível nos dias atuais.
Agregue-se a tudo isso a presença da Internet funcionando como uma faca de dois ou mais gumes no processo.
Sem depender de autorizações oficiais como funciona o rádio convencional que é propriedade do Estado e trabalha sempre em caráter de concessão provisória a cada dia existe um novo local a ser acessado com transmissões radiofônicas e televisivas.
Em geral compartimentados, transmitindo temas de interesses específicos, mas formando uma imensa plêiade de concorrência que reduz a possibilidade de interesse comercial dos anunciantes que sempre foram o sustentáculo do rádio honesto e verdadeiro.
As emissoras de AM, que resistiram ao assédio do FM vivem seus estertores.
Tentando suprir o processo de superação de suas condições técnicas foram testados dois tipos de digitalização, mas tanto nos Estados Unidos quanto no Japão, locais mais adiantados nessas buscas não se encontrou solução adequada.
Além do espaço no dial tornar-se insuficiente para abrigar tantas emissoras há a indesejável interferência da eletrônica nas transmissões dos velhos sistemas.
Desde os motores de automóveis que passam roncando nas cercanias às ondas de celulares e toda a parafernália que ronda nossas cabeças indo e vindo dos satélites que cobrem o firmamento.
Um plano do governo prometeu aos proprietários de emissoras de AM a concessão de prefixos em FM, o que seria uma espécie de salvação temporária da lavoura radiofônica para aquilo que sabemos é o rádio de verdade.
A promessa do Ministério das Comunicações foi feita, mas quando e se será executada ninguém sabe, ninguém viu.
Na situação atual das mais antigas emissoras do país, algumas já próximas ao centenário, mesmo daquelas que se mantém fieis aos princípios éticos e ideais do grande rádio parece que desta feita o bichinho de praia está tendo dificuldades intransponíveis para encontrar novos caminhos.
