Osmar Santos e a campanha das Diretas Já

Por Rodney Brocanelli

Com tanta coisa acontecendo no âmbito político, infelizmente a comemoração dos 40 anos da campanha das Diretas Já! vem ficando em segundo plano. No último dia 25 de janeiro, o comício da Praça da Sé, em São Paulo, teve uma retrospectiva tímida. Como a luta pelas eleições diretas, que tomou boa parte do primeiro semestre de 1984, tem vários marcos, espera-se que em abril essa lembrança seja retomada de forma mais consistente.

Um dos grandes nomes daquela campanha de mobilização popular foi Osmar Santos. Seu poder de comunicação foi capaz de comandar grandes plateias que foram às ruas de cidades importantes deste país pedir a volta das eleições diretas para presidente da República.

Naquela época, o narrador era chefe de esportes da Rádio Globo em São Paulo, apresentador da versão paulistana do Globo Esporte e narrador dos compactos de futebol nas noites de domingo (para São Paulo),

Seu envolvimento com a campanha (que já estava nas ruas) começa na noite do dia 31 de dezembro de 1983, Osmar Santos foi escalado para narrar a corrida de São Silvestre, tradicional corrida de rua promovida pela Fundação Cásper Líbero. Naquele ano, a prova era disputada à noite, quase que às portas do ano seguinte.

A São Silvestre ia se desenrolado e um corredor brasileiro foi se destacando: o mineiro João da Matta, que na ocasião tinha 30 anos. A narração de Osmar foi ganhando contornos de uma mensagem de esperança, ao mesmo passo em que João ia consolidando seu triunfo.

“Lá vem João da Matta…O Brasil em primeiro lugar…Este Brasil sofrido, desgovernado…Força, Garotinho! Pensa no seu povo…oprimido, angustiado, cansado de se alimentar apenas de sonhos de que um novo tempo vai chegar. Vem, João da Matta, o novo campeão da São Silvestre! Parabéns, João da Matta! Que esta tua vitória seja o anúncio de um ano de esperança, de realizações, de conquistas, vai trazer uma nova vida, uma vida mais digna para aqueles que realmente amam este país. Obrigado, amigo João. Tua força, tua garra faz com que a gente tenha orgulho de dizer: sou forte, sou guerreiro, graças a Deus, sou brasileiro”. (uma pena que não exista um registro disso no YouTube)

A mensagem de Osmar chegou aos ouvidos de Álvaro Dias, então governador do Paraná, que, em meio a confraternização em família, encontrou tempo para assistir a transmissão da São Silvestre.

Álvaro comentou com o irmão, que também se chama Osmar, que seu xará deveria ser o apresentador do comício pelas diretas programado para o dia 12 de janeiro, em Curitiba.

O narrador não aceitou de cara o convite feito em seguida pelo governador. Ele consultou o psicólogo e amigo Mauro Madureira e o diretor executivo do esporte da Rede Globo na ocasião, Marco Mora.

Ao ver que não haveria objeção de seu empregador, Osmar embarcou nessa jornada.

Claro que ocorreram problemas nos comícios das Diretas Já. Quarenta anos depois, eles ganham hoje até um ar de anedota. Mas o fato de um impostor ter se passado por um deputado argentino na concentração de Curitiba deixou muita gente com o coração na mão.

Um certo Juan Carlos Quintana ocupou o palanque e fez um discurso em que declarou “o apoio do governo argentino aos anseios de viver num país democrático que unem todos os brasileiros”.

O governo da época protestou, evocou a soberania externa e disse que forças externas estavam comandando a baderna. Após isso, cuidados foram tomados para que situações como essa fossem evitadas.

Após o comício do dia 25 de janeiro, na Praça da Sé, em São Paulo, Osmar tomou à frente nas outras reuniões em grandes capitais. Para isso, ele teve que vencer certas resistências e os planos de outros organizadores. Por exemplo, Ziraldo, atendendo a um convite do então governador Tancredo Neves, iria apresentar o comício em Belo Horizonte. O cartunista foi, mas Osmar estava lá também.

No Rio, o governador Leonel Brizola escalou o ator Milton Gonçalves e a atriz Christiane Torloni. Apesar de ser um nome de rádio, que era um veículo regional, Osmar não só esteve lá, mas como deu um show de comunicação com o público.

Osmar teve que apagar alguns incêndios. Em diversos momentos, ele teve que pedir ao público de diferentes tendências políticas para que não vaiasse os políticos. Um exemplo pode ser visto no vídeo abaixo. No comício da Praça da Sé (SP), Oswaldo Maciel (sim, Oswaldo Maciel) chama o então prefeito de Novo Horizonte Sidney de Biasi, que era do PDS, o partido que dava sustentação ao governo do general Figueiredo. Biasi representava um grupo de prefeitos que era favorável às Diretas. Osmar interveio para deixar clara a posição que o político tinha naquele momento e as vaias se transformaram em aplausos.

A única vez em que Osmar realmente não conseguiu controlar o público aconteceu no comício do Anhangabaú (SP). Ao agradecer os profissionais de imprensa que faziam a cobertura daquele evento, a massa se uniu em um coro só: “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo” (eu vi isso ao vivo na TV Gazeta, que transmitiu tudo quase que na íntegra – tinha 13 anos e não havia ninguém para me levar até o local). Essa saia justa não trouxe grandes consequências à carreira de Osmar na Globo, como veremos adiante.

Após a mobilização popular, as atenções se voltaram para a Câmara dos Deputados, em Brasília. Uma emenda à Constituição brasileira (a de 1967) proposta pelo deputado Dante de Oliveira (PEC nº 05/1983) estava para ser votada no dia 25 de abril de 1984. Seu objetivo era restabelecer as eleições diretas para presidente do Brasil.

Apesar das medidas de segurança decretadas pelo Governo Federal, Osmar Santos esteve nas galerias da Câmara para acompanhar a votação. Assim como grande parte da nação, ele saiu frustrado com o desenlace. A emenda não foi aprovada. Para uma alteração constitucional, seriam necessários 320 votos, conforme as regras da época. No entanto, foram apenas 298 votos a favor. Além do mais, quem era contra simplesmente não apareceu no plenário para votar, evitando assim maiores desgastes eleitorais.

Politicamente, o ano de 1984 ainda seguiu bastante agitado com a definição dos candidatos à presidência que iriam se enfrentar no ano seguinte, com o voto indireto de deputados, senadores e delegados definidos pelos governadores, o famoso Colégio Eleitoral.

Tancredo Neves foi lançado como candidato da oposição (acabou sendo o vencedor, promovendo o início da Nova República). Paulo Maluf defendeu as cores da situação, embora o preferido dela fosse outro: Mario Andreazza.

Osmar até foi convidado para animar os comícios de Tancredo Neves, porém essa parceria não foi duradoura. O publicitário Mauro Motoryn conta que em Goiânia, o locutor ficava instando o público toda hora a responder se eles queriam diretas. “Esse menino não pode mais apresentar porque não estamos mais nas diretas e ele fica chamando isso aí”, disse Tancredo em uma conversa de lado com Mauro. Ele mesmo passou a comandar os comícios e houve também a presença de apresentadores locais.

A carreira de Osmar Santos não foi afetada pela sua ampla participação nessas campanhas de mobilização política. Ele permaneceu na Rede Globo com as suas atividades já assumidas e foi um dos narradores na cobertura do Jogos Olímpicos de Los Angeles, disputados entre julho e agosto.

Um de seus grandes momentos na televisão se deu justamente na medalha de ouro conquistada por Joaquim Cruz na prova dos 800m. Em uma narração emocionante (sem ser gritada), ele citou Milton Nascimento. “É preciso ter força, Joaquim! É preciso ter gana. É preciso ter raça, sempre, Joaquim”, disse instantes antes da largada.

Após a chegada e com a confirmação da vitória do brasileiro, Osmar fez uma discreta correlação com os momentos do país: “Essa é a raça que o brasileiro tem que ter para viver. Mudar os dias difíceis”.

Dois anos depois (já na Nova República, sob o comando de José Sarney), Osmar tomava a frente de mais uma cobertura importante: a da Copa do Mundo, sediada no México. Seu nome foi escolhido depois de uma solicitação das agências de publicidade (informação que consta em Olha o Que ele Fez, documentário que conta a trajetória profissional de Galvão Bueno). Narrou os jogos do Brasil, além de outras partidas importantes, entre elas, a final.

Pouco mais de dez anos depois da campanha das diretas, uma tragédia mudaria a vida de Osmar para sempre. Em dezembro de 1994, ele foi vítima de um grave acidente automobilístico. Ele lutou pela vida durante semanas e meses. No entanto, os danos cerebrais causados pelo traumatismo craniano afetaram a sua capacidade de fala. Afastado dos veículos de comunicação, ele encontrou uma nova forma de expressão na pintura.

Muitas das informações desse texto foram retiradas do livro “Osmar Santos, o Milagre da Vida”, da Editora Sapienza, escrito pelo jornalista Paulo Matiussi e publicado em 2004. Fora de catálogo, merece um relançamento.

Fifa e AIPS prestam homenagem a jornalistas com mais Copas do Mundo no currículo

Por Rodney Brocanelli

Hoje foi um dia diferente para boa parte dos jornalistas que estão cobrindo a Copa do Mundo no Catar. Dentro de um evento chamado Jornalistas no Pódio, eles receberam uma homenagem da Fifa em parceria com a AIPS (International Sports Press Association), uma entidade internacional de cronistas esportivos. Uma pequena réplica da Taça Fifa foi entregue pelo craque Ronaldo (o Fenômeno) a 82 jornalistas do mundo todo que atingiram a um número superior de 8 coberturas da competição como credenciados. 11 profissionais brasileiros estão nesta lista. A cerimônia aconteceu no Virtual Staduim 1, em Doha.

Entre os brasucas homenageados, muitos nomes do rádio: Pedro Ernesto, da Rádio Gaúcha, com 12 participações, Osires Nadal (“o Parana te abraça”), da Rádio Lagoa Dourada, com 11, Éder Luiz, da Transamérica, com 10, Eraldo Leite, das rádios Globo/CBN, também com 10, Wellington Campos, da Rádio Itatiaia, com 9, Ricardo Capriotti, da Rádio Bandeirantes, com 8.

Galvão Bueno, que dispensa apresentações, tem 12 copas em seu currículo, Juca Kfouri, credenciado pelo UOL, tem 11 participações, Jorge Rodrigues, da Conmebol, tem 9, João Estevam Ramalho Neto e o narrador Luis Roberto, ambos da TV Globo, tem 9.

Sobre Juca Kfouri, curioso notar que em 1998 ele teve sua credencial negada pela Fifa, ainda na gestão de João Havelange, em um primeiro momento, mas que depois foi revertida após a péssima repercussão gerada pela medida.

A listagem completa pode ser vista aqui.

Galvão Bueno cita Osmar Santos e José Silvério em golaço de Richarlison

Por Rodney Brocanelli

Merecidamente, o golaço de Richarlison, o segundo do Brasil na vitória contra a Sérvia, é o assunto desta Copa do Mundo. Um lance de rara beleza. E ele ocasionou um grande momento de Galvão Bueno na transmissão da TV Globo, inconscientemente ou não. O narrador acabou usando bordões de dois gênios do rádio esportivo brasileiro. Primeiro, ele diz ” e que gol”, de Osmar Santos, e logo em seguida “e que golaço”, de José Silvério. Será que foi homenagem? Ainda não sabemos, mas está valendo. Veja e ouça abaixo (enquanto os donos do espetáculo deixarem).

O fim (dos verdadeiros) locutores esportivos

Por Flávio Araújo(*)

Leio interessante entrevista com o narrador Galvão Bueno e tiro algumas ilações que me desligam de meu passado profissional e me colocam na atual realidade. “Tudo muda, tudo passa neste mundo de ilusão” já cantou o poeta. Galvão é sem dúvida um fenômeno nas transmissões esportivas e jamais nenhum narrador de esportes atingiu tal culminância e durabilidade no comando de um veículo tão importante como a Globo. Apesar dos anos que podem ou não lhe pesar mantem-se em forma e o que mais, evolui. É verdade que os titulares prolongam ao máximo seus reinados e dessa forma impedem que sucessores ocupem o trono. Dois detalhes importantes retirei da entrevista de Galvão e que julgo de interesse daqueles que acompanham estes modestos escritos. O locutor esportivo deixou de ser o narrador do espetáculo imprimindo a fidelidade que em meu tempo era marca registrada do bom profissional. Buscávamos, sim, dar o máximo de emoção a nossas narrativas, mas jamais falseávamos na crítica e a verdade era a tônica dominante em nossa missão. Ou seja: éramos jornalistas executando uma missão profissional que queríamos colocar no ponto mais alto da respeitabilidade e da confiança de quem nos ouvia. Hoje o narrador esportivo é antes disso um animador de espetáculo, tem de executar um trabalho mais para animador de auditório, tem de ser mais Chacrinha e menos Pedro Luis. Para quem gosta, ótimo. Segundo esse caminho o objetivo é prender audiência e não ser crítico do que narra. O segundo ponto é ainda pior do meu ponto de vista. Estão acabando os locutores esportivos. Focalizei esse aspecto numa longa entrevista com Milton Neves no domingo passado quando me ligaram da Bandeirantes. Parece que não gostaram do que expus, mas mantenho minha posição. No interior nasciam os valores que iam brilhar nas grandes equipes esportivas da Capital. Houve época em que na Bandeirantes não havia um só locutor esportivo que não houvesse iniciado carreira no interior. Acontece que com o predomínio das redes, Bandeirantes, Jovem Pan, o radio do interior não transmite mais futebol. Com raras exceções. O narrador já começa pela televisão e permitam que o diga: os bons são os que nasceram no rádio e os que ainda estão na ativa são os últimos dos moicanos. De qualquer forma e só para finalizar digo que o Galvão, que começou comigo ainda na Gazeta continua sendo um grande profissional e merece a altura onde paira. Não sei como aguenta o ritmo de trabalho que executa o que é outro fator que pesa a seu favor em seu currículo.

Flávio Araújo, jornalista e radialista prudentino. Texto publicado originalmente no jornal O Imparcial, de Presidente Prudente. Reproduzido aqui com a permissão do autor.

 

 

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