A notícia surgiu ontem à noite nas redes sociais e imediatamente repercutiu negativamente. Lembrei que ainda tinha o contato dele, o escrevi perguntando se conferia aquilo e, infelizmente, ele confirmou a informação. Com quase 56 anos de trabalho, que seriam completados no próximo dia 10 de abril, Milton Ferretti Jung não é mais da Rádio Guaíba, dispensado que foi pela direção da emissora junto com outro profissional marcante da velha Guaíba de guerra: o operador de externas Celso Costa, de 83 anos, que trabalhou na Caldas Júnior desde ainda antes da inauguração em 30 de abril de 1957, montando toda a parte técnica fundamental para ela ir ao ar. Celso participou de todos os momentos importantes da Guaíba, inclusive coberturas de muitas Copas do Mundo.
Destaco especialmente Milton Ferretti Jung nesta coluna pois ele foi um importante narrador esportivo da Rádio Guaíba entre 1961 e 1988, depois voltando de 1998 até 2003, além de dar sua voz a grandes jogos exibidos na TV2 Guaíba de 1979 a 1984, quando nela esteve. Com 78 anos de vida, ele chegou à emissora após quatro anos na Rádio Clube Metrópole de Canoas. Em 1964, assumiu a apresentação da síntese noticiosa de 10 minutos em quatro edições diárias “Correspondente Guaíba”, que trazia o nome do patrocinador e que, desta maneira, ficou marcada para muita gente até hoje como “Correspondente Renner”. Nela permaneceu até recentemente, quando lia somente a edição das 13h, e houve um período de interrupção entre 30 de abril de 2010 e 2 de maio de 2011, quando cancelaram a apresentação do rádiojornal, o que causou muita indignação entre os “guaibeiros”.
Milton passou a narrar futebol pra valer na Guaíba a partir de 1961, por obra do diretor técnico Homero Simon. Até então, só havia feito um jogo pela Clube Metrópole, um Cruzeiro x Renner de ano que não sabe precisar, no não mais existente Estádio da Montanha, aqui em Porto Alegre. Ele pegou a época mais gloriosa do rádio esportivo do Rio Grande do Sul, com uma seleção de craques que até hoje deixa saudades e que teve gente como Pedro Carneiro Pereira, Armindo Antônio Ranzolin, Ruy Carlos Ostermann, Lauro Quadros, Antônio Augusto, João Carlos Belmonte e tantos, tantos mais. Atravessou também o período mais conturbado da emissora, na década de 80, quando novos profissionais surgiram mesclados aos poucos que tinham permanecido. Cansado das viagens, ele parou com esta atividade em 1988 e voltou a fazê-la apenas entre 1998 e até 2003, apenas em jogos do Grêmio (embora também em um que outro do Internacional muito esporadicamente, como destacarei mais abaixo no fim desta edição) e somente no Olímpico ou em São Paulo, aí como pretexto para visitar o filho que já, já citarei.
Milton Ferretti Jung narrou três Copas do Mundo. Na de 1974, foi um dos enviados à Alemanha Ocidental junto com o então narrador titular e chefe esportivo Armindo Antônio Ranzolin, os comentaristas Ruy Carlos Ostermann e Lauro Quadros, os repórteres João Carlos Belmonte e Adroaldo Streck, além de Celso Costa nas externas. Ele narrou vários jogos daquela edição. A segunda veio em 1978 e Milton relatou em entrevistas narrar só um jogo. Os colegas enviados com ele foram Ranzolin, Luiz Carlos Prates e Samuel de Souza Santos na narração, Lauro nos comentários junto com Ibsen Pinheiro e Lasier Martins, Belmonte nas reportagens junto com Lupi Martins, Edegar Schmidt e Laerte de Franceschi, além de Celso Costa junto com Alcides Krebs, Élio Custódio e Luis Pirreur nas externas. A terceira e última foi a de 1986, quase feita em conjunto com a Clube Paranaense B2, o que à última hora não ocorreu pois o empresário Renato Bastos Ribeiro viabilizou a transmissão própria da rádio, a qual havia adquirido. Milton foi o narrador titular e viajou com Samuel e Carlos Moacir, os comentaristas Edegar e Laerte, o repórter Wianey Carlet, o plantonista Antônio Augusto e externas com Pirreur junto com Danilo Gomes.
“A Voz do Rádio” também foi voz na televisão ao trabalhar nos primeiros cinco anos da TV2 Guaíba (atual TV Record/RS). Neste período, transmitiu futebol e adicionou ao currículo grandes conquistas dos times gaúchos, como o Campeonato Brasileiro de 1979 vencido pelo Internacional e a Libertadores de 1983 ganha pelo Grêmio. Ferretti Jung sempre foi declaradamente gremista, como toda sua torcida, mas isso nunca impediu seu trabalho de ser feito com correção ao documentar os gols das equipes do Rio Grande do Sul. Este lado televisivo seu foi revivido em 2003, quando o Campeonato Gaúcho não tinha exibição fixa na televisão igual aos moldes atuais e a TV2 Guaíba comprou os direitos do primeiro jogo da final entre 15 de Novembro e Internacional. Lá foi ele para Campo Bom narrar o início da decisão cuja volta não passaria no canal 2 e sim na TVCOM para o interior e no Premiere Esportes para Porto Alegre e todo o país. Ainda nesta edição, destacarei uma narração sua na TV.
Mais clássico locutor/apresentador de notícias do rádio do Rio Grande do Sul, Milton Ferretti Jung passou a dar seu nome a esta categoria no Prêmio Press, organizado anualmente pela Revista Press e que conquistou tantas vezes que virou hors concours. Em junho de 2007, ele teve um momento difícil: sofreu um AVC enquanto lia o “Correspondente” das 18h50, mesmo assim chegando até o fim do mesmo e sendo atendido ao voltar pra casa. Levou quase um mês e meio até seu retorno aos 720 khz, não apenas à síntese noticiosa, mas também aos espaços esportivos que manteve, como um comentário diário no “Repórter Esportivo” e participação em debates na hora do almoço, tanto o antecessor “Terceiro Tempo” quanto o atual “Ganhando o Jogo”, já sob a batuta de Luiz Carlos Reche. Em dezembro de 2012, um momento especialíssimo: o último Gre-Nal no Estádio Olímpico, que ali todos achavam que vivia sua última partida (e depois vieram outras no Gauchão de 2013, mas o símbolo da despedida ficou aquele mesmo). Milton narrou os primeiros 15 minutos daquele empate sem gols.
Agora, acontece esta surpresa desagradável. Imaginar a Rádio Guaíba sem Milton Ferretti Jung é impossível, nem que fosse num curto espaço de tempo por dia ou coisa do gênero. Era o tipo da associação que parecia que só acabaria quando o profissional falecesse. Infelizmente, a direção do Grupo Record no Rio Grande do Sul assim não fez nem com ele e nem com Celso Costa, outra bandeira histórica da emissora e fundamental para ela estar no ar até hoje. Mas não chega a estranhar. O tratamento dispensado pela Record/RS à Guaíba gera críticas aos montes ao longo dos últimos anos, especialmente pelo entra-e-sai de diretores neste período e todos eles vindos de outros centros e sem a devida intimidade para lidarem com uma rádio que não é das principais só do estado, mas do país e até mesmo do mundo, pois sempre esteve presente nas Copas desde 1958 por conta própria, até mesmo naquelas que exigiram pools em outros importantes centros (caso da de 1970, quando foi preciso em São Paulo a união de Bandeirantes, Jovem Pan e Nacional – nome da Globo à ocasião – para cobrir aquela edição). Todas as Copas até a última, em 2010, já que lamentavelmente ausente desta de 2014 estará.
Não sei se Milton voltará ao rádio, se terá alguma outra atividade sonora, enfim, não sei. Talvez só o tempo diga isso, não dá pra estimar se curto ou longo. Mas que ele não merecia isso da rádio da qual se tornou identidade histórica, não merecia. Aliás, da rádio não e sim da atual direção da Guaíba, que pode ser boa para várias coisas, mas que pisa na bola não de hoje em muitas decisões equivocadas que tomou e ainda toma. Ao menos a escrita dele ainda pode ser lida, seja falando de assuntos da ordem do dia ou lembrando de acontecimentos antigos. Há três anos, ele escreve todas as quintas-feiras no blog do filho Mílton Jung no site da Rádio CBN. Mílton filho, com acento no “i” diferentemente do pai, que é radicado em São Paulo há muitos e muitos anos e que também teve seu lado de narrador de futebol entre o fim de 1999 e meados de 2001 na RedeTV!, com direito a um fato que deve ter enchido o pai de orgulho: narrar por ela o Grêmio campeão da Copa do Brasil diante do Corinthians.
Adicional: quando eu concluía esta coluna, leio no Facebook uma postagem obrigatória de menção aqui, feita pelo Luiz Carlos Reche, que trabalhou com os agora desligados da Caldas Júnior por três décadas até dela sair recentemente para ser apresentador e comentarista do Grupo Bandeirantes. Segue:”Milton Jung e Celso Costa foram meus grandes amigos na Rádio Guaíba durante 30 anos. Com eles, aprendi muito. Fico triste que eles estejam fora. Milton Jung era importante no microfone e fora dele. Neste momento, só tenho a agradecer. Celso chorou quando pedi demissão da Rádio Guaíba. E há pouco tempo entreguei medalha no Teatro São Pedro para ambos. Vou publicar as fotos. Estou triste. Desde ontem, isso não me sai da cabeça.”
Ouça abaixo uma entrevista de Milton Ferreti Jung ao programa Arremate Final, então apresentado por André York na Rádio Banda B, de Curitiba.