Minhas lembranças de Ronald Capita

Por Rodney Brocanelli

18 de março de 2012. Eu estava escalado para comentar a partida entre Comercial x Corinthians pela web rádio Webfutmundi. Léo Campos, hoje na Rádio Itatiaia era o narrador e o Gabriel Araujo, hoje um homem da imprensa escrita, era o repórter. Além de comentar, eu era responsável por alimentar o perfil do Twitter da emissora. Bola rolando, começam a chegar mensagens, entre elas a de um ouvinte que me chamou a atenção. Ele disse depois que estava em tratamento na AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente e queria acompanhar o jogo do seu Timão. No entanto, as televisões do lugar em que estava só captavam a parabólica da Globo, que exibia o jogo do campeonato carioca. Não restou a ele outra alternativa a não ser ouvir o jogo pelo rádio, ou melhor pela web rádio. Por algum tempo, acompanhou a nossa transmissão. Depois, esse ouvinte pediu o contato de MSN, programa de comunicação instantânea que ainda era bastante popular na época. Trocamos o contato e começamos a conversar. Foi assim que eu conheci o Ronald Capita (ouça abaixo).

Aquela transmissão foi bastante acidentada. Nosso sinal acabou caindo e justo no dia em que alguém estava ouvindo. Mas isso não impediu o início de uma bela amizade. Soube um pouco mais sobre sua história de vida. Ronald era portador da Síndrome de Marfan. Em resumo, essa doença faz com que seu portador tenha um crescimento acelerado com o não devido acompanhamento do tronco. Além disso, ele tinha outros problemas de saúde, como uma severa escoliose.

Já naquela ocasião em que nos conhecemos, ele manifestava um grande interesse pelo jornalismo. Muitas de nossas conversas privadas giravam em torno desse assunto. Pedia dicas não apenas sobre texto.  Ele também se interessou pelo universo radiofônico. Era um dos grandes leitores e divulgadores do Radioamantes. Capita também me contava sobre suas internações, consultas e tratamentos de saúde. Outro lado desse relacionamento era mais visível nas redes sociais. Lá o papo era mais descontraído, dentro daquele espírito de “zoeira entre amigos”.

Algo curioso é que o Capita sempre me chamava de tio. Na época da Webfutmundi, por ser um dos mais velhos da equipe, senão o mais velho, a “jovem guarda” formada por então adolescentes (Gabriel, Almir, etc.) acabava por me chamar de vô. Talvez para que eu não me sentisse tão idoso, Capita me promoveu a tio. E assim foi esse tratamento.

Quando eu registrei sua partida lá em meu perfil do Facebook, eu destaquei seu alto astral e bom humor. Essas características não o impediam de ter suas angústias. Capita sofreu preconceito em determinados momentos de sua vida, em manifestações pelas redes sociais. O apoio dos amigos (que não eram poucos) nessas ocasiões foi determinante para ajudá-lo a superar esses episódios. O rádio também ajudou bastante a ele. Ainda trabalhando na Rádio Globo, Guilherme Cimatti fez uma bela crônica que emocionou aos ouvintes (ouça aqui).

Capita deu a volta por cima e calou seus críticos ao se transformar em uma referência nas questões de acessibilidade nos estádios de futebol. Ele era um frequentador assíduo dos jogos do Flamengo, de Guarulhos, que disputa as divisões de acesso das competições organizadas pela Federação Paulista de Futebol. Suas experiências eram compartilhadas em sites como o Torcedores e em suas redes sociais. Veículos como a CBN também deram destaque a esse seu lado ativista (veja aqui).

Não demorou muito para que Capita chegasse à televisão, sendo personagem em reportagens de diversos programas esportivos. O Esporte Fantástico, da Record, foi fantástico (com o perdão da redundância) ao procurar destacar seu lado jornalista e levá-lo para uma fazer uma matéria com os jogadores que integravam o elenco do Santos, em 2016. A cumplicidade de atletas como Ricardo Oliveira e Lucas Lima colaborou para o belo resultado (veja aqui).

Seu coração de torcedor batia mais forte pelo Corinthians. E ele se aproximou bastante das equipes de categorias de base. Acabou se transformando em um mascote do time que disputou a final da Copa São Paulo, em 2017. Sua relação com o técnico Osmar Loss colaborou bastante para isso. O que era para ser um dia de alegria quase foi estragado devido a postura de um motorista de Uber. Capita relatou esses momentos em um texto para o Torcedores (clique aqui).

Nos últimos anos, os problemas de saúde de Capita foram se agravando. Apesar deles, estava pensando em projetos para falar de pessoas com necessidades especiais. Um que conseguiu iniciar foi o perfil Eficientes, nas redes sociais, que alimentou até quando pode. Queria muito também lançar uma web rádio. Ele me procurou na metade deste ano pedindo dicas para equipamentos e locais de venda pela Internet. Nesse meio tempo, ficávamos trocando stickers pelo Whatsapp.

Minhas últimas conversas com Capita tiveram a ver com rádio e o Radioamantes. Em outubro, dirigentes de futebol anunciaram a possibilidade de cobrar diretos das emissoras de rádio para a transmissão de partidas de futebol nacional. Eu fiz uma ampla cobertura aqui no blog e ele se interessou pelo tema. Trocamos muitas informações sobre o assunto e sempre o mantive atualizado. No final daquele mês, a CBF se reuniu com dirigentes de importantes associações de cronistas esportivos e anunciou de forma oficial que não iria chancelar essa iniciativa (saiba mais aqui).

Mandei o link com a notícia e sua resposta foi “Grande dia”, acompanhada do sinal de positivo. Foi a última mensagem escrita dele para mim. Depois mandei mais alguns memes e stickers, mas sem resposta. Tomei conhecimento de sua internação. Guto Ablas, amigo com passagem pelas rádios Capital, Tropical e Bradesco Esportes, foi quem me avisou de sua morte pelo Whatsapp na quinta (28). O Portal dos Jornalistas informa que as causas foram pneumonia e infecção urinária (clique aqui). Tinha 20 anos. E aliás, fico feliz com esse registro feito por um site de jornalistas. Mesmo não tendo tempo de chegar à faculdade, Capita era um dos nossos

Como escrevi no Facebook, por diversas questões que agora não cabem aqui neste texto-homenagem, não sou daqueles que consideram a morte um fim. No entanto, eu estou bem triste por não ter mais a possibilidade de conviver com ele. Vou sentir falta dos papos, das zoeiras, vou sentir falta desse sobrinho postiço. Fica aquela sensação de ter feito mais, ter estado mais próximo e acho que nesse ponto, a sua partida, vai ser muito didática para mim.

Eu sei que o Capita em todos esses anos se aproximou de muita gente boa do jornalismo, fora dele, e fez amizades e parcerias importantíssimas. Creio que de certa forma esses contatos o ajudaram a ser feliz. Ou então, se não totalmente feliz, creio toda essa energia emanada pelos amigos ajudou a tornar sua vida mais suportável.

Encerro este post com Learning do Fly, de Tom Petty. É isso aí, Capita. Agora você está aprendendo a voar, mesmo que sem asas. A descida é a parte mais difícil, mas você pega o jeito. E Deus sabe onde você está. E sei que pretendo agora fazer de todos os meus dias um grande dia. Obrigado. Seu tio postiço vai sentir sua falta.

Ronald Capita

Tema da acessibilidade poderia ser mais abordado no rádio e na tv

Por Rodney Brocanelli

A questão da acessibilidade é um tema que poderia estar mais presente na grande mídia. Eventualmente, existem exceções como o Jornal Nacional, que na edição desta sexta dedicou uma reportagem de fôlego ao tema, como parte de uma série que foi veiculada durante toda semana (veja aqui). No rádio, vale destacar a preocupação da CBN, no seu programa Quatro em Campo, que falou sobre o acesso dos deficientes físicos aos estádios. Houve, inclusive, a citação a uma reportagem de Ronald Capita, cadeirante, que traduziu em palavras todas as suas experiências. Leia mais no link abaixo:

http://torcedores.com/noticias/2015/07/saiba-como-e-o-sofrimento-para-um-cadeirante-ver-futebol-nos-estadios-brasileiros

Ouça o trecho do programa Quatro em Campo, da CBN:

cbn

O rádio não perdeu a capacidade de emocionar. Para Ronald Capita

Por Rodney Brocanelli

Um belo exemplo de como o texto no rádio ainda é capaz de comover foi dado na edição da última terça do programa Panorama Esportivo, da Rádio Globo (SP). Guilherme Cimatti escreveu uma crônica sobre Ronald Capita, um adolescente de 15 anos, que tem o sonho de ser jornalista e é portador da síndrome de Marfan (saiba mais aqui). No começo desta semana, Capita, como é conhecido pelos amigos, teve uma desagradável surpresa quando abriu seu twitter: uma mensagem ofensiva, desnecessária, gratuita, enfim, o que se convencionou chamar de bullying. Uma agressão injustificável e indefensável, independente de quem seja seu autor. A partir de então, uma enorme corrente de solidariedade se formou pelas redes sociais até desembocar neste belo texto de Cimatti.

Leia e ouça o texto no link abaixo:

http://radioglobo.globoradio.globo.com/panorama-esportivo-sp/2014/12/30/CRONICA-RONALD-E-O-CAMPEAO-DOS-CAMPEOES.htm

Além da bela crônica, Ronald Capita também ganhou a solidariedade de Felipe Facincani, da Bradesco Esportes FM. Ouça abaixo.

radioglobo1

Bradesco Esportes FM