Por Rodney Brocanelli
A história é relativamente conhecida nos bastidores da comunicação, mas vale a pena ser contatada novamente, uma vez que ela está completando 40 anos. A TV Record, ainda de propriedade de Paulo Machado de Carvalho, não conseguiu transmitir a Copa do Mundo, de 1982, disputada na Espanha. No entanto, uma saída simples e criativa conseguiu atrair uma grande parcela da audiência, utilizando o rádio.
No início da década de 1980, Silvio Luiz era um fenômeno. As transmissões de futebol comandadas por ele na TV Record gozavam de bastante prestígio entre anunciantes e, principalmente, telespectadores, causando assim alguns arranhões na audiência da hegemônica TV Globo.
Para a Copa de 1982, havia uma grande expectativa para um novo confronto entre as duas emissoras. Entretanto, alguns pequenos detalhes tiraram a Record dessa cobertura. Rui Viotti, na ocasião, assistente de Paulinho Machado de Carvalho, um dos manda-chuvas da Record, alertava para o risco da Globo exibir sozinha aquela competição.
Conforme o livro “Olho no Lance”, de Wagner William, os direitos de transmissão das grandes competições internacionais eram intermediados pela OTI (então Organização da Televisão Ibero-Americana). A entidade fazia a comercialização diretamente com o país associado, não importando as emissoras que desejassem colocá-las no ar. Bastava que as interessadas pagassem suas cotas. Se não houvesse o pagamento, as outras emissoras assumiriam o valor total.
Outro fator de risco era que para exibir a Copa, as emissoras filiadas à OTI eram obrigatoriamente obrigada a transmitir os Jogos Olímpicos. O grande problema é que dois anos antes apenas a Globo exibiu os Jogos de Moscou. Com isso, a emissora carioca acabou comprando sozinha a Copa da Espanha. Havia a expectativa de que ela revendesse os direitos para as outras emissoras brasileiras, o que não aconteceu.
O mesmo Rui Viotti, que alertou para o risco da TV Record ficar sem transmitir a Copa de 1982 teve uma ideia para diminuir o desastre: comprar os direitos para rádio e veicular as transmissões na Rádio Record tanto no AM (1000Khz) como no FM (89,7Mhz – hoje Nova Brasil), mantendo as mesmas características irreverentes das transmissões de Silvio Luiz na TV e com as tradicionais intervenções do comentarista Pedro Luiz e do repórter Flávio Prado . Paulinho topou e fez com que Viotti embarcasse para o Rio e abrisse negociações.
Negócio fechado pelo valor da época de 750 mil cruzeiros. Em seguida, foi criada uma campanha publicitária para informar ao público como acompanhar as narrações de Silvio: abaixar o som da televisão e ligar o rádio na Record. O slogan foi marcante: “Olhos na TV, coração na Rádio Record”.
O único empecilho que poderia comprometer o esquema foi resolvido de forma rápida: era o de convencer Zé Béttio, campeão de audiência e faturamento da Rádio Record AM a abrir generosos espaços de seu programa, veiculado todas as tardes para das lugar aos jogos da Copa.
Claro que havia dúvida sobre o estilo de narração. Seria rápido, como é tradicionalmente no rádio ou não? No dia 13 de junho, com a partida inaugural entre Alemanha e Bélgica veio a resposta: uma narração de tv no rádio.
A estratégia deu muito certo à medida em que os jogos do Brasil, então comandado por Telê Santana aconteciam. Citada no livro de William, a revista Veja informava que pelo menos uma das transmissões atingiu a marca de 200 mil ouvintes ficaram ligados no som da Record. E esse número não contemplava apenas os que também ligaram a televisão. Mesmo com o estilo mais cadenciado, parte do público apenas ligou o rádio para ouvir Silvio Luiz. A Record conseguiu vencer as concorrentes em rádio que já estavam acostumadas a transmitir futebol.
Mesmo com o sucesso, não foi uma cobertura fácil. O livro “Olho no Lance” relata que ocorreram problemas técnicos a partir do segundo jogo do Brasil, contra a Escócia. O jeito foi alugar duas linhas e reservar duas posições de transmissão no estádio. Deu certo.
No fim das contas, a transmissão alternativa da Record conseguiu um retorno muito maior em todos os sentidos: o de audiência, já citado, de publicidade e mídia. Mesmo com um massacrante número de televisores ligados, a Globo ainda saiu com fama de antipática por não ter dividido os direitos de transmissão com as outras emissoras de televisão, conforme o livro de William.
Uma pena que existam tão poucos registros dessas transmissões de Silvio Luiz na Rádio Record. Os arquivos de áudio da emissora foram perdidos. O que restou foram fragmentos, gravados do próprio rádio em fita cassete pelo pai do jornalista Ubiratan Leal. Eles foram digitalizados e posteriormente divulgados pelo jornalista Thago Uberreich. Ouça abaixo em duas partes.
Em julho de 2009, durante uma entrevista de Silvio Luiz ao programa Jovem Pan no Mundo da Bola, Rui Viotti fez uma importante intervenção contando essa história.
