Por Rodney Brocanelli
No começo de 1984, um crime abalou São Paulo, em especial radialistas e ouvintes. Um tiro dado pelas costas abreviava a carreira de uma jovem profissional que aos 21 anos trabalhava em uma das principais emissoras da capital. Na ocasião, ela era uma das poucas vozes femininas atuando em Frequência Modulada. Conquistou fãs durante sua breve passagem pela emissora, mesmo ocupando um horário fora daqueles que atraem bastante público. Estamos falando de Miriam Lane, da Rádio Jovem Pan FM.
Miriam Lane, ou Miriam Clea dos Santos Tavares Barcelos Garcia, nasceu em Muzambinho (MG). Mudou-se para Campinas, onde começou a cursar a faculdade de Jornalismo na PUC.
Ainda em Campinas, conseguiu uma vaga no departamento de jornalismo na Rádio Educadora AM. Por ter uma voz bonita, começou a apresentar um programa de músicas de Roberto Carlos chamado Nossa Canção. Posteriormente, o passou a ser locutora da Educadora FM. Seu nome artístico nessa ocasião era Miriam Tavares.
Pedro Bondaczuk, jornalista que conviveu com ela naquela época, publicou um texto sobre Miriam no jornal Correio Popular, logo depois de sua morte. Segundo ele, a colega “irradiava simpatia, quebrando um pouco aquele clima sisudo, que muitas vezes nos dominava”.
Outras impressões de Bondaczuk: “Lembro-me, nitidamente, da sua figura, morena, bonita, sempre sorrindo (Mírian sorria com os olhos, profundos, românticos e sonhadores), ora brincando com a turma do Departamento de Esportes e de Jornalismo, ora se divertindo com as piadas do Ari Costa, ou trocando ideias com a Lucinha de Fátima na discoteca, sobre determinada canção do seu ídolo, ou pedindo algum esclarecimento ao nosso chefe, o Alair Beline, quando não mexendo com o pessoal da Técnica, o Wagnaldo Silva, o Carioca, o Joãozinho ou o Marcelo de Almeida”. (leia a versão integral aqui).
Na Rádio Educadora, Miram conheceu Pablo Garcia, que na época era coordenador de programação da emissora. Já casados, se mudaram para São Paulo no início de 1983. Ele conseguiu uma vaga na Bandeirantes FM (hoje Band FM). Ela, por sua vez, arrumou uma vaga na Rádio Jovem Pan FM (na época a Jovem Pan 2) e passou a comandar o horário noturno, entre 22h e 02h, adotando o pseudônimo de Miriam Lane.
Não se sabe quem foi que a batizou dessa maneira na Pan, mas esse era o nome da namorada do Super Homem nas edições brasileiras de suas histórias em quadrinhos publicadas no Brasil naquele período (somente depois é que o nome Lois passou a ser adotado).
Segundo o Jornal do Brasil do dia 01 de fevereiro de 1984 , seus colegas de Pan a definiram como “uma mulher simpática e alegre, que chegava cedo ao estúdio para preparar melhor seu horário, com leituras e conselhos de amigos”. Além disso, como registrou o diário, ela “recebia muitas cartas e telefonemas, principalmente depois de ter sido apresentadora de um show de aniversário da rádio, no Ginásio do Ibirapuera”.
Na Pan, Miriam encontrou um conterrâneo: Milton Neves, que na época fazia o plantão das transmissões esportivas do AM. Ambos conversavam muito nas noites de quarta e quinta, quando Neves estava na emissora (veja aqui). Ele conheceu os pais dela, Zélia e Lincoln, ainda em Muzambinho (veja aqui).
Como Miriam saia muito tarde da rádio, um colega ou então um amigo sempre ficava encarregado de levá-la para casa, no bairro do Itaim Bibi. Na madrugada do dia 28 de janeiro, um sábado, Beto Rivera, então locutor da emissora, foi quem lhe deu carona.
Conforme relatos da imprensa, a radialista desceu na rua Itacolomi, onde morava. Depois de sair do carro de Rivera, um Escort, ela se dirigiu até a porta do prédio. No entanto, ela foi cercada por dois ladrões que anunciaram um assalto. Assustada, ela empurrou um deles e correu para o veículo dirigido por Rivera. Um dos bandidos estava armado com um revólver calibre 22 e atirou nela. Depois do disparo, a dupla entrou em um Volks branco, no qual outra pessoa os aguardava.
Miriam foi socorrida por Beto e levada para o hospital São Luís. Ao ser atendida, foi constatado que o tiro acertara sua cabeça. Já chegou em estado de coma. O Jornal do Brasil informou que “só seu coração funcionava devido à juventude e à ajuda de instrumentos”. Ela morreu em 31 de janeiro de 1984.
Depois do anúncio oficial, a Jovem Pan passou a veicular uma chamada em sua programação com a voz de Miriam identificando a emissora e, em seguida, o seguinte editorial: “Miriam Lane está morta. Miriam Lane é mais uma vitima fatal da violência da cidade. Miriam Lane foi baleada por assaltantes na porta de sua residência, quando voltava de suas apresentações diárias na Rádio Jovem Pan FM. Mirian Lane está morta. Nós estamos sós diante da violência da cidade.”
O enterro aconteceu em sua cidade natal.
Um boletim de ocorrência foi lavrado no 15º Distrito Policial, próximo ao prédio onde Miram morava. A Polícia Civil trabalhou com várias linhas de investigação, entre elas a de uma possível vingança. O caso foi desvendado mais de dois anos depois e praticamente por acaso.
Em julho de 1986, ao investigar um assalto a uma loja de automóveis, a Polícia prendeu um suspeito de praticar esse crime. Durante o depoimento, ele confessou ter participado de uma tentativa de assalto que não chegou a ser concluída após ter feito um disparo. No dia seguinte, pela mídia, ficou sabendo que a vítima, segundo suas palavras, era “uma garota famosa da rádio FM”.
O então delegado do 27º Distrito que efetuou a prisão quis saber o motivo do disparo. “Fiquei assustado”, foi a resposta. Outro dos bandidos, que dirigia o Volks branco, também foi preso na mesma época. Faltava apenas localizar o terceiro integrante dessa gangue.
Demorou um pouco, mas ele logo foi identificado. A grande ironia dessa história (se é que dá para colocar dessa forma) é que mais de dois anos depois, esse sujeito deixou o mundo do crime e arrumou emprego como caixa em um grande banco. Na ocasião, havia acabado de se casar e estava em lua de mel. Com sua prisão, a Policia Civil considerou esclarecida a morte de Miriam Lane.
O trio foi levado à julgamento e posteriormente condenado. As penas variaram de 15 a 18 anos de reclusão, segundo informações do Jornal do Brasil em 16 de outubro de 1986.
Voltando a 1984, pouco antes da tragédia, Miriam Lane participou das gravações de um especial produzido pela BB Vídeo para a TV Record. Ao lado de Bob Floriano, outro conhecido nome do rádio, ela fez a introdução de clipes musicais com artistas do porte de Lionel Ritchie, Dalto, Beth Carvalho, Martinho da Vila, entre outros. Mesmo depois de sua morte, a emissora manteve a veiculação do programa, programado para o dia 7 de fevereiro daquele ano. Quem quiser assisti-lo, basta clicar neste link (é necessário estar logado no VK).
Deste programa, destacamos dois trechos com a voz de Miriam Lane. Talvez os únicos registros que restaram de uma voz tão marcante. Ouça abaixo.
ATUALIZAÇÃO (25/04/2021) – Veja no player abaixo as intervenções de Miriam Lane no programa.
Ela já adotava o nome de Miriam Lane quando trabalhava na Educadora FM, de Campinas.
CurtirCurtir