Por Rodney Brocanelli
João Carlos Albuquerque, conhecido do grande público pelo seu trabalho como apresentador nos canais ESPN, praticamente salvou o jornalista Ferreira Netto de ser preso pelos militares na Copa do Mundo de 1978, sediada na Argentina. João Canalha, como é carinhosamente chamado pelo público e amigos, contou essa história em entrevista ao Music Thunder Vision, podcast comandado por Luiz Thunderbird, músico e ex-VJ da MTV.
Ferreira e João Carlos estavam trabalhando juntos na cobertura daquele mundial pela mesma emissora, a Rádio Capital. Na época, ela era dirigida por Hélio Ribeiro. A Capital contava com nomes importantes do rádio esportivo da época: Jota Junior (não o narrador que recentemente deixou o Sportv, mas um profissional que teve muito destaque nas cidades de Belo Horizonte e Goiânia), Alfredo Orlando (ex-Tupi, de São Paulo), Ávila Machado, Marco Antônio Mattos (que se notabilizou por narrar vôlei na TV Bandeirantes), entre outros.
A Capital ainda contava com Dulcídio Wandeley Boschila, na época árbitro de futebol, que atuou como o “juíz do juíz”. Na época, o termo “comentarista de arbitragem” não estava popularizado, algo que aconteceu a partir do final dos anos 1980. Outro nome de destaque era o de Edson Leite, narrador histórico da Rádio Bandeirantes. Neste mundial, ele atuou como analista. Ferreira fora contratado para fazer uma cobertura extra-campo, um repórter especial.
A seleção brasileira de futebol estava às vésperas de enfrentar a seleção da argentina na cidade de Rosário. Aquela partida ficou conhecida depois como a “Batalha de Rosário”. Parte da equipe da emissora paulistana fez o deslocamento de trem, devido às más condições de tempo: João, Ferreira e o saudoso operador Laureci Calheiros.
Devidamente instalados na cidade, João ficou no hotel reservado pela emissora, enquanto Ferreira Neto e Laureci foram para o local onde estava hospedada a delegação do Brasil. O esquema da Capital previa boletins ao vivo a cada 15 minutos (coisas de Hélio Ribeiro).
Tudo pronto, o boletim entrou no ar, comandado por João. Ele chamou Ferreira, que começou a falar até a comunicação ser interrompida. O apresentador assume novamente, lê algumas notas e encerra a transmissão.
Pouco depois, Laureci contata João e revela o que houve. Um coronel do Exército argentino havia proibido (sabe-se lá com qual autoridade) transmissões ao vivo, por um pedido da própria seleção brasileira. Tentou-se então uma alternativa. O gerente do hotel liberou o uso de um telefone de seu escritório. Novamente a transmissão é interrompida.
Conforme o relato de João ao podcast, ele ficou sabendo depois, por Laureci, que o tal coronel entrou na sala e arrancou o fio de telefone da parede e jogou o aparelho em um canto da sala. Ferreira Netto não se conteve e partiu para a briga com o militar.
Outros dois soldados foram chamados para prender Ferreira. Mais confusão. A essa altura, os jornalistas brasileiros entraram em cena agindo como a famosa “turma do deixa-disso”. Flavio Adauto, que também estava no hotel, conseguiu falar com o colega, alertando-o para o fato de que estavam sob a ditadura militar da Argentina. “Os caras vão sumir com você”, disse.
Laureci e Ferreria conseguiram deixar o local e foram para o hotel em que estavam hospedados. Quando chegaram, João estava no ar com mais um boletim. Ferreira, transtornado, quase sem ar, toma o microfone e começa a protestar: “Eu sabia. Eu sabia que eles iam mostrar a cara, a qualquer momento. A máscara ia cair. Queriam me levar para o esquisito! Caiu a máscara da ditadura argentina”. Esse esquisito pode ser um local de tortura.
João pegou o microfone de volta, encerrou o boletim e tomou uma decisão. Pediu que a dupla ficasse no quarto, enquanto descia até o saguão do hotel. Chegando lá, ele encontrou Fernando Solera, então narrador da TV Bandeirantes, discutindo com as funcionárias do hotel por causa de problemas nas reservas. Dois brucutus (segundo o relato) e queriam levar Solera. Mais confusão.
O apresentador então deixou o hotel, pegou um táxi e pediu para ir até o consulado do Brasil na cidade. Chegando lá, (era um sobrado) subiu uma escada, viu uma secretária e pediu para encontrar com o cônsul . Não houve tempo para uma conversa no local. Ambos foram diretamente para o hotel e o caso foi explicado pelo caminho.
Na chegada, João e o cônsul (cujo nome não foi revelado) foram abordados por duas pessoas de terno, que se identificaram como policiais federais e com ordem para não deixar ninguém de fora entrar, uma vez que eles eram responsáveis pela segurança.
Na base da conversa, tudo foi se explicando. Ferreira e Laureci foram orientados a descer do quarto, até porque o cônsul estava lá para amortecer o impacto dos acontecimentos daquele dia. O jornalista conversou com os federais. João não chegou a contar o desfecho em que ele teve uma participação decisiva, mas subentende-se que tudo terminou sem consequências para os principais envolvidos.
Ferreira Netto ficou conhecido por apresentar programas de debates políticos nos finais de noite na televisão. Teve passagens pela Tupi, Record, SBT, Bandeirantes, Gazeta, Manchete e CNT. Em rádio, esteve nas rádios Excelsior, Gazeta e Trianon. Chegou a ser candidato ao Senado, por São Paulo, nas eleições de 1990, pelo PRN, então partido do ex-presidente Fernando Collor de Melo. Perdeu a vaga para Eduardo Suplicy, do PT. Morreu em 2002, aos 63 anos.
Laureci Calheiros foi técnico de externa em diversas emissora de rádio em São Paulo. Nos últimos anos de sua vida, prestou serviços para a Rádio Transamérica. Morreu em 2019, com 74 anos.
Veja abaixo o depoimento de João Carlos Albuquerque.
